sexta-feira, 29 de março de 2019

RENATO RUSSO ESTÁ VIVO E MORA NA ITÁLIA


Por Sharon Sevilha

Renato Russo está vivo. Mora em algum pequeno vilarejo de campos verdes, anônimo, na Itália. Vai ao banco, ao mercadinho, à adega, aonde ele quer, sempre anônimo. Ninguém o reconhece, ninguém sabe quem ele é. É assim que gosto de pensar nele. Não o vejo, não há canções ou cds novos porque ele escolheu o anonimato. Assim como Jim Morrison, quando abriu mão de tudo e foi para a França. O Renato a-ma-va o Jim, sabia? Inclusive, ele dizia que seu jeito de dançar era para imitar o Jim, mas como ele era meio destrambelhado, ficava parecendo o Morrissey, dos Smiths - que ele também amava.

Já deu para perceber que esta é uma das matérias mais pessoais e íntimas escritas neste espaço. Como o aniversário dele foi no último dia 27, quis fazer uma homenagem. É um texto basicamente de fã - ou mais do que isto. Na verdade, muito mais do que isto. A conexão que tenho com ele vai muito além e durará para sempre. Não tenho certeza, mas acredito, de verdade, que há mais pessoas que se sintam assim.

Quando conheci a Legião Urbana, nos anos oitenta, SERÁ era o meu hino:
"TIRE SUAS MÃOS DE MIM
EU NÃO PERTENÇO A VOCÊ 
NÃO É ME DOMINANDO ASSIM
QUE VOCÊ VAI ME ENTENDER"
Meu Deus, para quantas pessoas eu, com quinze anos, não queria gritar isto! Meus professores, meus pais, meu chefe, no trabalho. Parecia que o Renato era o único que me entendia, que sabia o que eu estava sentindo. Então ele se tornou a única pessoa que tinha as respostas.

"Ainda me lembro aos três anos de idade
O meu primeiro contato com as grades
O meu primeiro dia na escola
Como eu senti vontade de ir embora"

 Cada vez que eu ouvia a Legião, eu me sentia acolhida. Tinha alguém igual a mim.


O primeiro show ao qual assisti foi em 1988, logo depois daquela lambança no Mané Garrincha, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Cheguei cedo e fiquei na grade, bem debaixo do microfone dele. Chorei o show inteiro! Como era possível, meu Deus, alguém me entender tanto! Parecia que ele cantava só para mim. Parecia que ele sabia tudo o que eu estava sentindo e que estava ali para dizer justamente isso: eu te entendo, eu sei como é. E, dali para a frente, ele se tornou o ser humano que mais amei e admirei por toda a minha minha vida.

Lembro-me como se fosse hoje do dia que o Cazuza morreu. Eu adorava o Cazuza, mas nada comparado ao sentimento que nutria pelo Renato. Dizem que todo mundo ficou com medo de que ele cancelasse o show já agendado para o Jockey Clube, no Rio de Janeiro. Ele não cancelou. E mais, fez uma homenagem linda pro Cazuza. Cantou ENDLESS  LOVE e disse que o Cazuza amava esta música. Em casa, em São Paulo, chorando a morte do Agenor e ouvindo LPs da Legião, eu procurava uma resposta. E ela veio em um LP do Capital Inicial, na música BELOS E MALDITOS. Sem saber, quando fui guardar o disco, olhei quem era o autor da música: RENATO RUSSO. E tive minha resposta;
"Belos e malditos
Feitos para o prazer
Os últimos a sair
Os primeiros a morrer"


Tive a sorte, a bênção, a felicidade ou o nome que você - que me lê agora - quiser dar de ver sete shows da Legião Urbana: todas debaixo do microfone dele, na grade, e chorando do início ao fim.  E tive ainda mais felicidade, bênção ou sorte de falar com ele três vezes. Nas três, ele me tratou como uma princesa, Na última, depois de dois shows, em 1994, com o Ginásio do Ibirapuera lotado, ele me abraçou. Tinha acabado de tomar banho, seu cabelo estava úmido. O abraço tinha cheiro de sabonete. Lembro-me de ele perguntar se o show tinha sido bom e se o som estava legal. Até hoje, quando sinto cheiro de sabonete, eu me lembro e sinto saudades desse último abraço.


Quando saiu o cd A TEMPESTADE OU O LIVRO DOS DIAS, ganhei de presente, bem no comecinho de outubro. Apesar de já ter  vinte e seis anos, na época, minha mãe sempre me dava presente pelo dia das crianças. Eu dizia que o dia das crianças era um "dia dos filhos" disfarçado. E, lembrando o Ira! (que nada tem a ver com este texto), "se meu filho nem nasceu, eu ainda sou um filho." Lembro de ouvir o cd e, de na música DEZESSEIS, comentar: "imagina o Ibirapuera lotado e todo mundo cantando e com os braços levantados: BYE, BYE JOHNNY/JOHNNY BYE, BYE." Claro que isso nunca aconteceu e que uma parte de mim foi embora junto com ele. Alguns dizem que ele morreu por complicações do HIV. Eu podia dizer que ele morreu de tristeza, mas prefiro pensar que ele só está longe de onde meus olhos podem alcançar. Em algum lugar bonito, na Itália. E que ele continua me dando as respostas antes de eu fazer as perguntas.






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