“Foi numa noite de gala,
aniversário do príncipe regente, que D. Pedro viu no palco, pela
primeira vez, a bailarina entontecedora. Era uma francesinha de matar.”
Paulo Setúbal in As Maluquices do Imperador
ROMANCE HISTÓRICO
QUANDO A VERDADE SE CONFUNDE COM A FICÇÃO
Costumamos pensar que o romance histórico é uma típica narrativa dos que se socorrem dos fatos para dar asas a seus floreios ficcionais. Talvez pudesse ser verdade, não fosse o empenho de grandes autores em procurar aproximar as informações históricas, muitas vezes maçantes, bordadas de datas e acrescida de pinduricalhos, como notas de rodapé do grande público. Não fosse assim, poucos teriam a oportunidade de entender melhor a história de seus países. O romance histórico também é um fenômeno pop, uma vez que é a base para muitas das adaptações de sucesso para o cinema e a televisão. Muitos ousam demais e “romanceiam”, glamourizando personagens muito mais desinteressantes. De uma forma ou outra, realmente fica difícil para qualquer um de nós saber o diálogo ocorrido, nessa ou naquela alcova, ou ainda o último suspiro de um bravo herói (isso se ele realmente foi um herói).
Mas o romance histórico para nossos teóricos, tem origens muito claras e certificação de legitimidade nos compêndios de teoria literária. No Brasil, podemos dizer que o romance urbano é a prosa romântica que inaugura a publicação do romance de ficção. Sua característica principal é levar ao leitor os costumes sócio-culturais da sociedade. Por condição cultural para nós ele retrata, em especial, a sociedade carioca da primeira metade do século XIX. No seu ‘verbete’ de prosa o romance indianista se faz presente, juntamente com o romance regionalista ou rural. Porém nosso alvo é o romance histórico em si mesmo, que seguiu da mesma forma a linha de valorização nacional. “O romance histórico relata episódios históricos ocorridos no Brasil desde o inicio da sua valorização.” E quais seriam os seus maiores exemplos? Aqueles que cairiam em qualquer vestibular – os de José de Alencar : "A guerra dos Mascates"; "Minas de Prata" e o "O garatuja".
Se pensarmos que o romance histórico é a prosa narrativa ficcional cuja ação decorre no passado, essa literatura cuja ação decorre no passado histórico, ao nosso ver, sempre foi abundante. Porém cabe a muitos teóricos a sacralização de Walter Scott como o iniciador da tradição moderna que situa esse tipo de romance, que pode ser de amor, em um passado que tem como base fatos reconhecidos. Nossos patrícios portugueses acreditam que “o uso que este autor fez dos pormenores históricos e as subseqüentes imitações que escritores europeus desenvolveram da sua técnica, levaram a que o gênero prosperasse.”
Os romances passam da ação ao envolvimento romântico sem deixar de ter as inserções históricas que registram fatos, datas e locais. E assim, dessa forma, temos o gênero utilizado por Alessandro Manzoni, Victor Hugo, Charles Dickens, James Fenimore Cooper e, em Portugal - Alexandre Herculano, nosso mais destacado autor seguido por Almeida Garrett. Já no século XX, ainda em Portugal, temos outros destacados autores que se dedicam ao romance histórico e é importante citar, Carlos Malheiro Dias, Fernando Campos, Seomara da Veiga Ferreira, João Aguiar, Mário de Carvalho, e mais recentemente, alguns romances de José Saramago, com o mesmo tratamento.
ENTENDENDO O PROCESSO
Segundo Heloísa Costa Milton, o romance histórico é leitor singular dos signos da história. A história, como discurso, pré-existe ao romance histórico e os signos da história são retomados pelo romance histórico para multiplicar seus significados. Ele “recupera os signos da história do universo da afirmação científica para o espaço da existência humana, onde foram motivados e onde são recarregados da ambigüidade original.” Vera Follain de Figueiredo (Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Professora de Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) escreveu um estudo interessante, onde faz uma reflexão sobre o romance histórico contemporâneo no Brasil e na América Hispânica, partindo das origens no século XIX europeu, para traçar a trajetória do subgênero na América Latina. Para ela, o romance histórico surge no século passado, numa atmosfera em que uma série de transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas na Europa, fazem com que o homem comum, as massas populares se sintam num processo ininterrupto de mudanças com conseqüências diretas sobre a vida de cada indivíduo. “Na América Latina, o século XIX também foi marcado pelo surgimento de uma literatura de fundação, de narrativas que buscavam inventar uma tradição (...) A visão de história que importávamos do Ocidente europeu criava impasses para a compreensão da realidade das nações recém-independentes.
A ilusão de uma tradição contínua entrava em choque com as experiências vividas num passado relativamente recente”. Dessa forma ela inclui de José de Alencar (sempre ele) as obras Iracema e O Guarani que, segundo a autora, refletem esse impasse. De um modo geral, “seguindo os procedimentos de toda literatura de fundação da nacionalidade, inclusive a européia, a narrativa romântica latino-americana, procurando elipsar os traumas da conquista ibérica e criar imagens que nos aproximassem do modelo de civilização européia, teve de trabalhar mais com o esquecimento do que com a memória para transcender a diversidade que nos constitui, visando nos emprestar uma face homogênea”.
Mario Miguel González (Professor Titular de Literatura Espanhola da Universidade de São Paulo; Graduado em Letras na Universidad Católica de Córdoba) nos escreve em seu ensaio O romance que lê as leituras da história, que as relações entre a literatura e a história foram sempre “ muito importantes e, ao mesmo tempo, bastante pacíficas”. Acredita que as oposições conflitivas entre ambos os fenômenos decorrem, antes de mais nada, de “polarizações nascidas, talvez, de perspectivas decorrentes de vícios profissionais”. Se bem escreve quem bem descreve, a atitude do leitor perante ambos os textos - historiográfico e literário - será diferente. Continua Miguel Gonzáles “o leitor do texto historiográfico estará à procura do sentido único pretendido pelo historiador, ou seja, daquilo que, para este, é a verdade dos fatos. Já o leitor do texto literário terá um papel muito mais complexo, pois deverá construir "seu" texto, escolhendo um (ou alguns) dentre os múltiplos sentidos que o texto literário pode apresentar.” Em seu saber explica que a ficção narrativa em prosa levou muito tempo até atingir o status de gênero literário, como salienta Antonio Candido no seu ensaio "Timidez do romance" (CANDIDO, 1989, p.82-99). Isso acontece “pelo fato de não ter tido o romance um precedente consagrado entre os gêneros clássicos, como a poesia lírica, a poesia épica, a tragédia ou a comédia”. O precedente do romance está principalmente, na falsificação da história. Geoffrey de Monmouth, em sua Historia Regum Britanniae, da primeira metade do século XI, “é dos primeiros a realizar essa falsificação quando, utilizando um nome do passado bretão, Artur, faz deste uma personagem, a figura protagônica de uma história falsa que, ancorada na mitologia, substitui a épica e se espalha pela Europa. A chamada "matéria de Bretanha" permite que cada escritor vá acrescentando sua invenção, até que acaba sendo construído, séculos depois, o universo fantástico das novelas de cavalaria ibéricas.”
Mário Maestri, Doutor em história pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, e professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF em seu ensaio História e romance histórico: fronteiras, levanta uma interessante questão - de que através de recursos artísticos, “e eventualmente, sem penetrar a essência do passado, a ficção de cunho histórico sugeriria, errônea e perigosamente, a possibilidade da literatura substituir a história. A má vontade da historiografia com o romance histórico deve-se também a compreensível despeito. A narrativa ficcional possui abrangência de público e sobrevida temporal dificilmente alcançada pela historiografia, contribuindo, devido às características assinaladas, mais do que a última para a formação das representações de uma comunidade sobre o passado.” Cita então os dois volumes do romance histórico O continente, de Érico Veríssimo, sobre as origens do Rio Grande do Sul, que venderam, de 1949 a 1972, aproximadamente 100 mil exemplares, tiragem jamais sequer aproximada por trabalhos historiográficos sobre o tema. O jornalista Luiz Carlos Merten em artigo sobre Veríssimo (Os 50 anos do maior romance histórico já escrito no Brasil ) nos apresenta as opiniões de Flávio Loureiro Chaves que relembrava , “se o primeiro volume de O Tempo e o Vento apareceu em 1949, Érico desde os anos 30 acalentava o projeto grandioso de contar uma saga do Rio Grande. Mas ele não tem certeza de que a trilogia nasceu metalingüística, um livro sobre um livro que está sendo escrito, verdadeiro jogo de espelhos, ou se adquiriu esse formato durante o processo. Seja como for, a primeira frase de O Continente é também a última de O Arquipélago, o volume final da trilogia, quando Floriano Cambará, o alter ego de Érico, senta-se e escreve: "Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado." Érico Veríssimo fundou um padrão para o romance histórico contemporâneo e não apenas brasileiro. São 2 mil páginas que resgatam o passado do Rio Grande do Sul e o fazem refluir à memória, abrangendo mais de 200 anos numa extensa reflexão sobre a identidade brasileira.
"Embora esteja ancorado na História e faça a crônica de seus episódios, o romance não pode ser discurso histórico, sob pena de deixar de ser literatura", diz Chaves. E precisamente porque não bastam os manuais escolares e os compêndios de exaltação cívica, os autores recorrem ao universo imaginário da ficção. A de Érico estrutura-se, do começo ao fim, na dependência dos arquétipos de tipos essenciais e opostos entre si, representando o masculino e o feminino, conclui Merten.
UM POUCO MAIS DE BRASILIDADE
O reinventor do personagem Dom Pedro I foi, sem dúvida, Paulo Setúbal. P. S. de Oliveira, advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista, nasceu em Tatuí, SP, em 1o de janeiro de 1893, e faleceu em São Paulo, SP, a 4 de maio de 1937. Órfão de pai aos quatro anos, sua mãe cuidou sozinha de nove filhos pequenos. Sendo assim, colocou-o como interno no colégio do seu Chico Pereira e começou a trabalhar para viver e sustentar os filhos. Transferindo-se com a família para São Paulo, o adolescente Paulo entrou para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas, onde estudou durante seis anos. E foi lá que começou o interesse pela literatura e pela filosofia. Fez o curso de Direito em São Paulo. Ainda freqüentava o segundo ano quando decidiu fazer-se jornalista. Em 1918 inicia a sua principal fase de sua produção literária, que o levaria a ser o escritor mais lido do país destacando-se, especialmente, pelo gênero do romance histórico, com A Marquesa de Santos (1925) e O Príncipe de Nassau (1926). “Sabia como romancear os fatos do passado, tornando-os vivos e agradáveis à leitura. Os sucessivos livros que escreveu sobre o ciclo das bandeiras, a começar com O ouro de Cuiabá (1933) até O sonho das esmeraldas (1935), tinham o sentido social de levantar o orgulho do povo bandeirante na fase pós-Revolução constitucionalista (1932) em São Paulo, trazendo o passado em socorro do presente.” De suas obras destacamos As maluquices do Imperador, contos-históricos (1927); Nos bastidores da história, contos (1928); O ouro de Cuiabá, história (1933); Os irmãos Leme, romance (1933); El-dorado, história (1934); O romance da prata, história (1935). Assim como ele, Raul Pompéia nos legou o delicioso Jóias da Coroa.
Outro que investiu muito em propagar essa nova brasilidade é Francisco Marins, especialmente dedicando seu trabalho ao público juvenil. Nascido em Pratânia (SP), a 23 de novembro de 1922 é descendente de tropeiros e plantadores de café. Formou-se em 1946, pela Faculdade de Direito de São Paulo e, durante o curso jurídico, foi diretor da Revista Arcádia e Presidente da Academia de Letras da mesma. Foram seus contemporâneos na Faculdade, Israel Dias Novaes, Lygia Fagundes Telles, Leonardo Arroyo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Rubens Teixeira Scavone, Célio Debes, Paulo Bomfim, José Altino Machado. Sua importância no romance histórico brasileiro começa como editor da Melhoramentos, responsável por numerosas coleções e obras fundamentais da cultura brasileira: "Memória Histórica Brasileira", "Ficção Nacional", "Clássicos Imortais" e, ainda, "Verdes Anos", "Obras Célebres", "Colorama", esses últimos no campo da literatura infanto-juvenil. Marins também se debruçou, com dedicação, sobre Os Sertões, obra de Euclides da Cunha e publicou dois títulos que contam a saga e tragédia de Antônio Conselheiro e seus milhares de seguidores - A Aldeia Sagrada e A Guerra de Canudos, ambos pela Ática. Segundo ele, dentro de nosso idéia de romance histórico o trabalho nasceu do seu primeiro contato com Os Sertões – “uma obra volumosa, de texto compacto e tema com poucos atrativos para os adolescentes. No meu caso, ao ter em mãos aos 14 anos o "livrão", deparei-me com os temas intrigantes: "A Terra, o Homem, a Luta". E, de início, esbarrei com a linguagem, com o vocabulário difícil. Saltei para o capítulo final e empolguei-me com a "Luta", páginas de grande emoção e beleza e profundo conteúdo dramático. Assim, se posso aconselhar aos principiantes, iniciem a leitura pela terceira parte, depois retornem ao "Homem" e à "Terra". O tema e a epopéia sertaneja constituem pontos de reflexão e atração permanentes. Sobre eles existe a maior bibliografia jamais escrita no Brasil. Recentemente, o escritor Adelino Brandão reuniu, em volume de 756 páginas, cerca de 10 mil verbetes sobre o tema. Senti que o assunto deveria ser levado aos jovens e escrevi A Aldeia Sagrada para contar o drama canudense não pela ótica dos soldados que atacaram o arraial, mas conduzindo a narrativa de dentro para fora, isto é, os defensores tentando resistir aos atacantes. E, sem que eu previsse, A Aldeia Sagrada e também o outro livro que escrevi, A Guerra de Canudos, tornaram-se leituras introdutórias para os estudantes e jovens leitores, a despertar-lhes o interesse pelo grande livro”, completa ele. Sobre o mesmo tema Mario Vargas Llosa nos deu A Guerra do Fim do Mundo (editora Francisco Alves); Moacir Scliar , O Sertão Vai Virar Mar (editora Ática), e O rei dos Jagunços, a crônica histórica sobre os acontecimentos de Canudos em uma edição documentada e comentada por Manoel Benício em edição conjunta do Jornal do Commercio e Fundação Getúlio Vargas.
AS MULHERES DÃO SEU RECADO
O romance histórico não é uma seara tão somente masculina, e por isso mesmo, no Brasil, nossas escritoras transformaram seus títulos em grandes sucessos de vendagem e também de mídia eletrônica. A exemplo de sucessos como o fenômeno de vendagem “au reverse” como o do livro norte-americano E o vento levou... de Margareth Mitchell, o Brasil criou novos sucessos de vendagem como o de A casa das sete mulheres de autoria de Letícia Wierzchowski. A jovem escritora portoalegrense, começou a escrever aos 25 quando abandonou a Faculdade de Arquitetura. Se o romance de Mitchell tinha como pano de fundo uma guerra onde no livro se destacam as personagens femininas, no livro de Letícia o cenário foi a Guerra dos Farrapos, a mais longa guerra civil do continente. A história é recontada pela ótica da solidão e da força feminina.
Outro sucesso de mídia eletrônica que reviveu um sucesso editorial foi A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz. Além de novela de tevê nos idos anos 60, o livro percebe um boom de vendagem com o seu lançamento como mini-série televisiva e posteriormente, no formato de DVD. A muralha narra a bravura, a violência, as paixões e intrigas dos primeiros desbravadores do Brasil. Os costumes coloniais são desnudados e os personagens fortes são homens, mas também as mulheres como Isabel, Mãe Cândida e Margarida. Na visão de José Lins do Rego, no livro de Dinah “ as figuras humanas crescem de vulto e assumem a importância de absorventes estados de alma. Aí o livro vence e se expande como força de criação autêntica”. Por outro lado a rudeza dos paulistas foi poucas vezes tão bem retratada, mostrando o outro lado da figura mítica dos bandeirantes.
Outra autora que focalizou o mundo e o submundo do Rio de Janeiro e Minas Gerais, o inicio do ciclo do ouro e a guerra dos Emboabas, foi Ana Miranda. A escritora cearense que já nos tinha brindado com Boca do Inferno (Cia das Letras), nos entregou o inquietante O Retrato do Rei (Cia das Letras) e recentemente Desmundo (Cia das Letras), um romance que se inicia em 1555 com a chegada ao Brasil de uma leva de órfãs mandadas pela Rainha de Portugal para se casarem com os cristãos que aqui habitavam.
Outra saga muito bem retratada com os inquietantes referenciais históricos é o da vinda ao Brasil de Bento Teixeira, que saído dos cárceres da inquisição em Lisboa, aporta no Brasil como cristão novo e se casa com a cristã-velha Filipa Rosa. Essa história do século XVI é contada em Os Rios Turvos , de autoria de nossa companheira de Suplemento Cultural, a pernambucana Luzilá Gonçalves Ferreira, professora da Universidade Federal de Pernambuco.
“Não fosse o golpe do Chile, o terror e o exílio, eu talvez ainda estivesse escrevendo frivolidades em jornais de moda” escreveu Isabel Allende. A escritora latino-americana mais lida do mundo, é com sua história de vida repleta de grandes acontecimentos, que acabaram por gerar conteúdos históricos em seus romances - o golpe militar chileno em 1973 e a morte da filha, Paula, em 1992. "Eu não confio mais no amanhã. Na minha cabeça, tudo pode estar perdido em um minuto", declara. Os mortos e os espíritos são um tema importante nos seus romances, como A Casa dos Espíritos e De Amor e de Sombras (Bertrand Brasil) este último o grande exemplo de romance de história contemporânea .
CONTANDO E SENDO PROTAGONISTA
Muitas vezes não temos o devido distanciamento do fato romanceado. Sem dúvida os três volumes de Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado (quer será relançado pela Cia das Letras) é uma obra emocionada, mas com certeza foram fruto de vivências e tradição oral muito próximas. Um quase romance reportagem. Talvez pudéssemos falar o mesmo de Agosto, de Ruben Fonseca. Esse exemplo brasileiro e bastante contemporâneo acaba por refletir outros exemplos históricos.
Consta que Emile Zola para escrever Le ventre de Paris e Nana, percorreu os bairros da capital francesa, entrevistando peixeiros, comerciantes, prostitutas, gigolôs e marafonas, no que podemos considerar uma verdadeira investigação sociológica. Porém preferimos considerar como romance histórico o seu Germinal.
Para Charles Dickens (nascido em Landport, Portsmouth, 1812) o trabalho de repórter lhe dava condição de circular em meio à aristocracia londrina. É a partir desse contato que Dickens passou a publicar, crônicas humorísticas sob o pseudônimo de Boz. Depois, em forma de folhetim, publicou os capítulos de seu romance "As Aventuras do Sr. Pickwick". Como Zola, Dickens denuncia freqüentemente o poder político e os ricos vaidosos e especuladores. Nele o pensamento idealista e o romance sentimental unem-se para comover a sensibilidade do leitor e despertar a sua consciência moral. Torna-se um mestre das narrativas protagonizadas por crianças como em David Copperfield, Tempos Difíceis ou Oliver Twist e garante sua condição de cronista de toda uma época. Mas em "História de Duas Cidades" (1859) e "Grandes Esperanças" (1861) que identificamos a sua melhor compreensão da história. Nos últimos anos de sua vida iniciou o livro "O Mistério de Erwin Drood", cujo desfecho permaneceria desconhecido: Dickens morreu em 9 de julho de 1870, antes de concluí-lo.
Como Mário Maestri escreve socorrendo-se de Luckács “Quando atinge nível artístico, o romance histórico é percebido como animação do passado. Heine afirmava que os romances de Walter Scott reproduzem muitas vezes o espírito da história inglesa mais fielmente do que Hume.” E o que poderíamos contestar, a tal distância , de um romance como Ivanhoé de Sir Walter Scott (relançado pela editora Madras). Uma saga do cavaleiro negro, dos templários e as lembranças das Cruzadas embaladas pelas crônicas arturianas nós dá todo o direito, por exemplo, de aceitar como romance histórico a saga de quatro volumes de As brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, porém o lícito seria indica-la por sua obra O Incêndio de Tróia (editora Imago). Se cometeu uma visão feminista da história, por outro lado, com imaginação, nos deu explicações factíveis para várias lacunas.
Eleanor Alice Burford Hibbert nasceu em 1906 e anos mais tarde, transformou-se em uma das mais prolíficas escritoras de romances históricos e a quem conhecemos como Jean Plaidy. Sua saga de 14 volumes sobre Os Plantagenetas pode ser considerada definitiva. Chegando até a época dos Tudors, a autora decidiu enveredar em outras fronteiras, e com afinco britânico, entrou pela Revolução Francesa. Já saíram no Brasil Luíz, o Bem Amado e A Estrada para Compiègne , que pretende de forma romanceada dirimir qualquer dúvida sobre aqueles conturbados anos.
O certo é que todos os bons escritores podem se enveredar pela seara do romance histórico. Um exemplo é Manuel Vázquez Montalbán, o pai de um dos mais populares detetives espanhóis da ficção e que nos deu o genial Ou César ou nada , uma “novela” decididamente histórica. Uma tarefa sem dúvida muito mais difícil e complexa que seus mistérios por se tratar da narração das intrigas de uma Roma renascentista, dominada pela família valenciana dos Borgia. Os personagens que protagonizam a historia são complexos heróis que já conhecíamos através da historia, a literatura e a arte.
Já a tarefa de Christian Jacq, que nasceu em Paris, em 1947 nos parece mais simples. Egiptólogo renomado, doutor em Estudos Egípcios pela Sorbonne, em 1995, lançou a Série Ramsés em cinco volumes, que o consagrou definitivamente na carreira literária. Esta série já vendeu mais de 12 milhões de exemplares em 29 países de todo o mundo. No Brasil, destacamos A Rainha Sol (Bertrand Brasil), que conta o período em que na cidade do Sol chega ao fim junto com o reinado de Akhenaton e Nefertiti. O Egito, berço das civilizações, surge repentinamente à beira do drama e do desmembramento. Guerra civil, lutas pela sucessão ao trono, e Akhesa, a terceira filha do casal real sonha com o poder como uma verdadeira herdeira de Nefertiti.
Outro interessante lançamento é Sócrates e Xantipa de Gerald Messadié, autor da série Moisés. Desta vez ele escolheu a Atenas dos séculos V e IV a.C., como lugar da ação de Sócrates e Xantipa: Um Crime em Atenas (Bertrand Brasil) onde Xantipa, a esposa de Sócrates, conhecida por sua personalidade forte e por ter sido uma das megeras da História, encarna o papel do detetive à procura do assassino. O escritor retrata a era de ouro da democracia e das artes atenienses, marcada, porém, por escândalos e espionagem.
Mika Waltari é um finlandês que se notabilizou por seus romances históricos. O Egipcio é, sem dúvida, seu maior sucesso, e conta a história do reinado do faraó Akhenaton se desenvolvendo no período de 1390 - 1335 AC. Porém, seu romance melhor construído é O Segredo do Reino que narra com acuidade histórica o período do nascimento e morte de Jesus Cristo.
Outra leitura interessante é Shogun, de James Clavell. Nascido em Sidney em 1924, Austrália Clavell se notabilizou por seus romances que envolvem a história do oriente, em especial o Japão. Em Shogun temos um retrato do Japão feudal e o processo da construção do estado-nação com as diferenças comportamentais no século XVII entre japoneses e europeus.
Complementando nossas indicações sobre os romances históricos precisamos não esquecer de escritores dedicados como Nagib Mahfuz, que nasceu no Cairo em 1911. Formado em Filosofia, trabalhou como funcionário público até se aposentar, aos 60 anos. Laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1988, foi jurado de morte por extremistas islâmicos, no ano seguinte. Em 1994 sofreu um atentado no Cairo, onde vive. Suas obras Noites de mil e uma noites; Entre dois palácios, A Batalha de Tebas e O jardim do passado foram publicadas no Brasil. A intenção de Mahfuz era cobrir toda a história egípcia, desde os tempos faraônicos até a invasão inglesa, no século XIX. Entretanto, no decorrer da terceira novela - Kifah Tibah, de 1944 - Mahfuz voltou o foco de seu interesse para o presente e se dedicou a escrever romances com temas sociais, ao mesmo tempo em que redigia vários roteiros para a indústria cinematográfica de seu país.
Como nem sempre tudo é tão obviamente histórico. Crônica de indomáveis delírios (Rocco) do historiador e romancista Joel Rufino nos conta que “durante a Revolução Pernambucana de 1817, a facção “francesa” acalentou um sonho: trazer Napoleão – a Águia -, então prisioneiro dos ingleses, para comandar seu exército. Esse movimento era um típico caso de ‘idéias fora de lugar’”. Pois bem, Napoleão veio e radicaliza as contradições. “Para ele só a Abolição e a incorporação dos quilombos tornariam invencível a empreitada democrática...” E por fim, como um dos personagens do livro diria – “Sabe Roldão, em que consiste a Suprema Alegria? Estar vivo para ler Diderot”.
Por
Eduardo Cruz
Paulo Setúbal in As Maluquices do Imperador
ROMANCE HISTÓRICO
QUANDO A VERDADE SE CONFUNDE COM A FICÇÃO
Costumamos pensar que o romance histórico é uma típica narrativa dos que se socorrem dos fatos para dar asas a seus floreios ficcionais. Talvez pudesse ser verdade, não fosse o empenho de grandes autores em procurar aproximar as informações históricas, muitas vezes maçantes, bordadas de datas e acrescida de pinduricalhos, como notas de rodapé do grande público. Não fosse assim, poucos teriam a oportunidade de entender melhor a história de seus países. O romance histórico também é um fenômeno pop, uma vez que é a base para muitas das adaptações de sucesso para o cinema e a televisão. Muitos ousam demais e “romanceiam”, glamourizando personagens muito mais desinteressantes. De uma forma ou outra, realmente fica difícil para qualquer um de nós saber o diálogo ocorrido, nessa ou naquela alcova, ou ainda o último suspiro de um bravo herói (isso se ele realmente foi um herói).
Mas o romance histórico para nossos teóricos, tem origens muito claras e certificação de legitimidade nos compêndios de teoria literária. No Brasil, podemos dizer que o romance urbano é a prosa romântica que inaugura a publicação do romance de ficção. Sua característica principal é levar ao leitor os costumes sócio-culturais da sociedade. Por condição cultural para nós ele retrata, em especial, a sociedade carioca da primeira metade do século XIX. No seu ‘verbete’ de prosa o romance indianista se faz presente, juntamente com o romance regionalista ou rural. Porém nosso alvo é o romance histórico em si mesmo, que seguiu da mesma forma a linha de valorização nacional. “O romance histórico relata episódios históricos ocorridos no Brasil desde o inicio da sua valorização.” E quais seriam os seus maiores exemplos? Aqueles que cairiam em qualquer vestibular – os de José de Alencar : "A guerra dos Mascates"; "Minas de Prata" e o "O garatuja".
Se pensarmos que o romance histórico é a prosa narrativa ficcional cuja ação decorre no passado, essa literatura cuja ação decorre no passado histórico, ao nosso ver, sempre foi abundante. Porém cabe a muitos teóricos a sacralização de Walter Scott como o iniciador da tradição moderna que situa esse tipo de romance, que pode ser de amor, em um passado que tem como base fatos reconhecidos. Nossos patrícios portugueses acreditam que “o uso que este autor fez dos pormenores históricos e as subseqüentes imitações que escritores europeus desenvolveram da sua técnica, levaram a que o gênero prosperasse.”
Os romances passam da ação ao envolvimento romântico sem deixar de ter as inserções históricas que registram fatos, datas e locais. E assim, dessa forma, temos o gênero utilizado por Alessandro Manzoni, Victor Hugo, Charles Dickens, James Fenimore Cooper e, em Portugal - Alexandre Herculano, nosso mais destacado autor seguido por Almeida Garrett. Já no século XX, ainda em Portugal, temos outros destacados autores que se dedicam ao romance histórico e é importante citar, Carlos Malheiro Dias, Fernando Campos, Seomara da Veiga Ferreira, João Aguiar, Mário de Carvalho, e mais recentemente, alguns romances de José Saramago, com o mesmo tratamento.
ENTENDENDO O PROCESSO
Segundo Heloísa Costa Milton, o romance histórico é leitor singular dos signos da história. A história, como discurso, pré-existe ao romance histórico e os signos da história são retomados pelo romance histórico para multiplicar seus significados. Ele “recupera os signos da história do universo da afirmação científica para o espaço da existência humana, onde foram motivados e onde são recarregados da ambigüidade original.” Vera Follain de Figueiredo (Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Professora de Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) escreveu um estudo interessante, onde faz uma reflexão sobre o romance histórico contemporâneo no Brasil e na América Hispânica, partindo das origens no século XIX europeu, para traçar a trajetória do subgênero na América Latina. Para ela, o romance histórico surge no século passado, numa atmosfera em que uma série de transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas na Europa, fazem com que o homem comum, as massas populares se sintam num processo ininterrupto de mudanças com conseqüências diretas sobre a vida de cada indivíduo. “Na América Latina, o século XIX também foi marcado pelo surgimento de uma literatura de fundação, de narrativas que buscavam inventar uma tradição (...) A visão de história que importávamos do Ocidente europeu criava impasses para a compreensão da realidade das nações recém-independentes.
A ilusão de uma tradição contínua entrava em choque com as experiências vividas num passado relativamente recente”. Dessa forma ela inclui de José de Alencar (sempre ele) as obras Iracema e O Guarani que, segundo a autora, refletem esse impasse. De um modo geral, “seguindo os procedimentos de toda literatura de fundação da nacionalidade, inclusive a européia, a narrativa romântica latino-americana, procurando elipsar os traumas da conquista ibérica e criar imagens que nos aproximassem do modelo de civilização européia, teve de trabalhar mais com o esquecimento do que com a memória para transcender a diversidade que nos constitui, visando nos emprestar uma face homogênea”.
Mario Miguel González (Professor Titular de Literatura Espanhola da Universidade de São Paulo; Graduado em Letras na Universidad Católica de Córdoba) nos escreve em seu ensaio O romance que lê as leituras da história, que as relações entre a literatura e a história foram sempre “ muito importantes e, ao mesmo tempo, bastante pacíficas”. Acredita que as oposições conflitivas entre ambos os fenômenos decorrem, antes de mais nada, de “polarizações nascidas, talvez, de perspectivas decorrentes de vícios profissionais”. Se bem escreve quem bem descreve, a atitude do leitor perante ambos os textos - historiográfico e literário - será diferente. Continua Miguel Gonzáles “o leitor do texto historiográfico estará à procura do sentido único pretendido pelo historiador, ou seja, daquilo que, para este, é a verdade dos fatos. Já o leitor do texto literário terá um papel muito mais complexo, pois deverá construir "seu" texto, escolhendo um (ou alguns) dentre os múltiplos sentidos que o texto literário pode apresentar.” Em seu saber explica que a ficção narrativa em prosa levou muito tempo até atingir o status de gênero literário, como salienta Antonio Candido no seu ensaio "Timidez do romance" (CANDIDO, 1989, p.82-99). Isso acontece “pelo fato de não ter tido o romance um precedente consagrado entre os gêneros clássicos, como a poesia lírica, a poesia épica, a tragédia ou a comédia”. O precedente do romance está principalmente, na falsificação da história. Geoffrey de Monmouth, em sua Historia Regum Britanniae, da primeira metade do século XI, “é dos primeiros a realizar essa falsificação quando, utilizando um nome do passado bretão, Artur, faz deste uma personagem, a figura protagônica de uma história falsa que, ancorada na mitologia, substitui a épica e se espalha pela Europa. A chamada "matéria de Bretanha" permite que cada escritor vá acrescentando sua invenção, até que acaba sendo construído, séculos depois, o universo fantástico das novelas de cavalaria ibéricas.”
Mário Maestri, Doutor em história pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, e professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF em seu ensaio História e romance histórico: fronteiras, levanta uma interessante questão - de que através de recursos artísticos, “e eventualmente, sem penetrar a essência do passado, a ficção de cunho histórico sugeriria, errônea e perigosamente, a possibilidade da literatura substituir a história. A má vontade da historiografia com o romance histórico deve-se também a compreensível despeito. A narrativa ficcional possui abrangência de público e sobrevida temporal dificilmente alcançada pela historiografia, contribuindo, devido às características assinaladas, mais do que a última para a formação das representações de uma comunidade sobre o passado.” Cita então os dois volumes do romance histórico O continente, de Érico Veríssimo, sobre as origens do Rio Grande do Sul, que venderam, de 1949 a 1972, aproximadamente 100 mil exemplares, tiragem jamais sequer aproximada por trabalhos historiográficos sobre o tema. O jornalista Luiz Carlos Merten em artigo sobre Veríssimo (Os 50 anos do maior romance histórico já escrito no Brasil ) nos apresenta as opiniões de Flávio Loureiro Chaves que relembrava , “se o primeiro volume de O Tempo e o Vento apareceu em 1949, Érico desde os anos 30 acalentava o projeto grandioso de contar uma saga do Rio Grande. Mas ele não tem certeza de que a trilogia nasceu metalingüística, um livro sobre um livro que está sendo escrito, verdadeiro jogo de espelhos, ou se adquiriu esse formato durante o processo. Seja como for, a primeira frase de O Continente é também a última de O Arquipélago, o volume final da trilogia, quando Floriano Cambará, o alter ego de Érico, senta-se e escreve: "Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado." Érico Veríssimo fundou um padrão para o romance histórico contemporâneo e não apenas brasileiro. São 2 mil páginas que resgatam o passado do Rio Grande do Sul e o fazem refluir à memória, abrangendo mais de 200 anos numa extensa reflexão sobre a identidade brasileira.
"Embora esteja ancorado na História e faça a crônica de seus episódios, o romance não pode ser discurso histórico, sob pena de deixar de ser literatura", diz Chaves. E precisamente porque não bastam os manuais escolares e os compêndios de exaltação cívica, os autores recorrem ao universo imaginário da ficção. A de Érico estrutura-se, do começo ao fim, na dependência dos arquétipos de tipos essenciais e opostos entre si, representando o masculino e o feminino, conclui Merten.
UM POUCO MAIS DE BRASILIDADE
O reinventor do personagem Dom Pedro I foi, sem dúvida, Paulo Setúbal. P. S. de Oliveira, advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista, nasceu em Tatuí, SP, em 1o de janeiro de 1893, e faleceu em São Paulo, SP, a 4 de maio de 1937. Órfão de pai aos quatro anos, sua mãe cuidou sozinha de nove filhos pequenos. Sendo assim, colocou-o como interno no colégio do seu Chico Pereira e começou a trabalhar para viver e sustentar os filhos. Transferindo-se com a família para São Paulo, o adolescente Paulo entrou para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas, onde estudou durante seis anos. E foi lá que começou o interesse pela literatura e pela filosofia. Fez o curso de Direito em São Paulo. Ainda freqüentava o segundo ano quando decidiu fazer-se jornalista. Em 1918 inicia a sua principal fase de sua produção literária, que o levaria a ser o escritor mais lido do país destacando-se, especialmente, pelo gênero do romance histórico, com A Marquesa de Santos (1925) e O Príncipe de Nassau (1926). “Sabia como romancear os fatos do passado, tornando-os vivos e agradáveis à leitura. Os sucessivos livros que escreveu sobre o ciclo das bandeiras, a começar com O ouro de Cuiabá (1933) até O sonho das esmeraldas (1935), tinham o sentido social de levantar o orgulho do povo bandeirante na fase pós-Revolução constitucionalista (1932) em São Paulo, trazendo o passado em socorro do presente.” De suas obras destacamos As maluquices do Imperador, contos-históricos (1927); Nos bastidores da história, contos (1928); O ouro de Cuiabá, história (1933); Os irmãos Leme, romance (1933); El-dorado, história (1934); O romance da prata, história (1935). Assim como ele, Raul Pompéia nos legou o delicioso Jóias da Coroa.
Outro que investiu muito em propagar essa nova brasilidade é Francisco Marins, especialmente dedicando seu trabalho ao público juvenil. Nascido em Pratânia (SP), a 23 de novembro de 1922 é descendente de tropeiros e plantadores de café. Formou-se em 1946, pela Faculdade de Direito de São Paulo e, durante o curso jurídico, foi diretor da Revista Arcádia e Presidente da Academia de Letras da mesma. Foram seus contemporâneos na Faculdade, Israel Dias Novaes, Lygia Fagundes Telles, Leonardo Arroyo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Rubens Teixeira Scavone, Célio Debes, Paulo Bomfim, José Altino Machado. Sua importância no romance histórico brasileiro começa como editor da Melhoramentos, responsável por numerosas coleções e obras fundamentais da cultura brasileira: "Memória Histórica Brasileira", "Ficção Nacional", "Clássicos Imortais" e, ainda, "Verdes Anos", "Obras Célebres", "Colorama", esses últimos no campo da literatura infanto-juvenil. Marins também se debruçou, com dedicação, sobre Os Sertões, obra de Euclides da Cunha e publicou dois títulos que contam a saga e tragédia de Antônio Conselheiro e seus milhares de seguidores - A Aldeia Sagrada e A Guerra de Canudos, ambos pela Ática. Segundo ele, dentro de nosso idéia de romance histórico o trabalho nasceu do seu primeiro contato com Os Sertões – “uma obra volumosa, de texto compacto e tema com poucos atrativos para os adolescentes. No meu caso, ao ter em mãos aos 14 anos o "livrão", deparei-me com os temas intrigantes: "A Terra, o Homem, a Luta". E, de início, esbarrei com a linguagem, com o vocabulário difícil. Saltei para o capítulo final e empolguei-me com a "Luta", páginas de grande emoção e beleza e profundo conteúdo dramático. Assim, se posso aconselhar aos principiantes, iniciem a leitura pela terceira parte, depois retornem ao "Homem" e à "Terra". O tema e a epopéia sertaneja constituem pontos de reflexão e atração permanentes. Sobre eles existe a maior bibliografia jamais escrita no Brasil. Recentemente, o escritor Adelino Brandão reuniu, em volume de 756 páginas, cerca de 10 mil verbetes sobre o tema. Senti que o assunto deveria ser levado aos jovens e escrevi A Aldeia Sagrada para contar o drama canudense não pela ótica dos soldados que atacaram o arraial, mas conduzindo a narrativa de dentro para fora, isto é, os defensores tentando resistir aos atacantes. E, sem que eu previsse, A Aldeia Sagrada e também o outro livro que escrevi, A Guerra de Canudos, tornaram-se leituras introdutórias para os estudantes e jovens leitores, a despertar-lhes o interesse pelo grande livro”, completa ele. Sobre o mesmo tema Mario Vargas Llosa nos deu A Guerra do Fim do Mundo (editora Francisco Alves); Moacir Scliar , O Sertão Vai Virar Mar (editora Ática), e O rei dos Jagunços, a crônica histórica sobre os acontecimentos de Canudos em uma edição documentada e comentada por Manoel Benício em edição conjunta do Jornal do Commercio e Fundação Getúlio Vargas.
AS MULHERES DÃO SEU RECADO
O romance histórico não é uma seara tão somente masculina, e por isso mesmo, no Brasil, nossas escritoras transformaram seus títulos em grandes sucessos de vendagem e também de mídia eletrônica. A exemplo de sucessos como o fenômeno de vendagem “au reverse” como o do livro norte-americano E o vento levou... de Margareth Mitchell, o Brasil criou novos sucessos de vendagem como o de A casa das sete mulheres de autoria de Letícia Wierzchowski. A jovem escritora portoalegrense, começou a escrever aos 25 quando abandonou a Faculdade de Arquitetura. Se o romance de Mitchell tinha como pano de fundo uma guerra onde no livro se destacam as personagens femininas, no livro de Letícia o cenário foi a Guerra dos Farrapos, a mais longa guerra civil do continente. A história é recontada pela ótica da solidão e da força feminina.
Outro sucesso de mídia eletrônica que reviveu um sucesso editorial foi A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz. Além de novela de tevê nos idos anos 60, o livro percebe um boom de vendagem com o seu lançamento como mini-série televisiva e posteriormente, no formato de DVD. A muralha narra a bravura, a violência, as paixões e intrigas dos primeiros desbravadores do Brasil. Os costumes coloniais são desnudados e os personagens fortes são homens, mas também as mulheres como Isabel, Mãe Cândida e Margarida. Na visão de José Lins do Rego, no livro de Dinah “ as figuras humanas crescem de vulto e assumem a importância de absorventes estados de alma. Aí o livro vence e se expande como força de criação autêntica”. Por outro lado a rudeza dos paulistas foi poucas vezes tão bem retratada, mostrando o outro lado da figura mítica dos bandeirantes.
Outra autora que focalizou o mundo e o submundo do Rio de Janeiro e Minas Gerais, o inicio do ciclo do ouro e a guerra dos Emboabas, foi Ana Miranda. A escritora cearense que já nos tinha brindado com Boca do Inferno (Cia das Letras), nos entregou o inquietante O Retrato do Rei (Cia das Letras) e recentemente Desmundo (Cia das Letras), um romance que se inicia em 1555 com a chegada ao Brasil de uma leva de órfãs mandadas pela Rainha de Portugal para se casarem com os cristãos que aqui habitavam.
Outra saga muito bem retratada com os inquietantes referenciais históricos é o da vinda ao Brasil de Bento Teixeira, que saído dos cárceres da inquisição em Lisboa, aporta no Brasil como cristão novo e se casa com a cristã-velha Filipa Rosa. Essa história do século XVI é contada em Os Rios Turvos , de autoria de nossa companheira de Suplemento Cultural, a pernambucana Luzilá Gonçalves Ferreira, professora da Universidade Federal de Pernambuco.
“Não fosse o golpe do Chile, o terror e o exílio, eu talvez ainda estivesse escrevendo frivolidades em jornais de moda” escreveu Isabel Allende. A escritora latino-americana mais lida do mundo, é com sua história de vida repleta de grandes acontecimentos, que acabaram por gerar conteúdos históricos em seus romances - o golpe militar chileno em 1973 e a morte da filha, Paula, em 1992. "Eu não confio mais no amanhã. Na minha cabeça, tudo pode estar perdido em um minuto", declara. Os mortos e os espíritos são um tema importante nos seus romances, como A Casa dos Espíritos e De Amor e de Sombras (Bertrand Brasil) este último o grande exemplo de romance de história contemporânea .
CONTANDO E SENDO PROTAGONISTA
Muitas vezes não temos o devido distanciamento do fato romanceado. Sem dúvida os três volumes de Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado (quer será relançado pela Cia das Letras) é uma obra emocionada, mas com certeza foram fruto de vivências e tradição oral muito próximas. Um quase romance reportagem. Talvez pudéssemos falar o mesmo de Agosto, de Ruben Fonseca. Esse exemplo brasileiro e bastante contemporâneo acaba por refletir outros exemplos históricos.
Consta que Emile Zola para escrever Le ventre de Paris e Nana, percorreu os bairros da capital francesa, entrevistando peixeiros, comerciantes, prostitutas, gigolôs e marafonas, no que podemos considerar uma verdadeira investigação sociológica. Porém preferimos considerar como romance histórico o seu Germinal.
Para Charles Dickens (nascido em Landport, Portsmouth, 1812) o trabalho de repórter lhe dava condição de circular em meio à aristocracia londrina. É a partir desse contato que Dickens passou a publicar, crônicas humorísticas sob o pseudônimo de Boz. Depois, em forma de folhetim, publicou os capítulos de seu romance "As Aventuras do Sr. Pickwick". Como Zola, Dickens denuncia freqüentemente o poder político e os ricos vaidosos e especuladores. Nele o pensamento idealista e o romance sentimental unem-se para comover a sensibilidade do leitor e despertar a sua consciência moral. Torna-se um mestre das narrativas protagonizadas por crianças como em David Copperfield, Tempos Difíceis ou Oliver Twist e garante sua condição de cronista de toda uma época. Mas em "História de Duas Cidades" (1859) e "Grandes Esperanças" (1861) que identificamos a sua melhor compreensão da história. Nos últimos anos de sua vida iniciou o livro "O Mistério de Erwin Drood", cujo desfecho permaneceria desconhecido: Dickens morreu em 9 de julho de 1870, antes de concluí-lo.
Como Mário Maestri escreve socorrendo-se de Luckács “Quando atinge nível artístico, o romance histórico é percebido como animação do passado. Heine afirmava que os romances de Walter Scott reproduzem muitas vezes o espírito da história inglesa mais fielmente do que Hume.” E o que poderíamos contestar, a tal distância , de um romance como Ivanhoé de Sir Walter Scott (relançado pela editora Madras). Uma saga do cavaleiro negro, dos templários e as lembranças das Cruzadas embaladas pelas crônicas arturianas nós dá todo o direito, por exemplo, de aceitar como romance histórico a saga de quatro volumes de As brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, porém o lícito seria indica-la por sua obra O Incêndio de Tróia (editora Imago). Se cometeu uma visão feminista da história, por outro lado, com imaginação, nos deu explicações factíveis para várias lacunas.
Eleanor Alice Burford Hibbert nasceu em 1906 e anos mais tarde, transformou-se em uma das mais prolíficas escritoras de romances históricos e a quem conhecemos como Jean Plaidy. Sua saga de 14 volumes sobre Os Plantagenetas pode ser considerada definitiva. Chegando até a época dos Tudors, a autora decidiu enveredar em outras fronteiras, e com afinco britânico, entrou pela Revolução Francesa. Já saíram no Brasil Luíz, o Bem Amado e A Estrada para Compiègne , que pretende de forma romanceada dirimir qualquer dúvida sobre aqueles conturbados anos.
O certo é que todos os bons escritores podem se enveredar pela seara do romance histórico. Um exemplo é Manuel Vázquez Montalbán, o pai de um dos mais populares detetives espanhóis da ficção e que nos deu o genial Ou César ou nada , uma “novela” decididamente histórica. Uma tarefa sem dúvida muito mais difícil e complexa que seus mistérios por se tratar da narração das intrigas de uma Roma renascentista, dominada pela família valenciana dos Borgia. Os personagens que protagonizam a historia são complexos heróis que já conhecíamos através da historia, a literatura e a arte.
Já a tarefa de Christian Jacq, que nasceu em Paris, em 1947 nos parece mais simples. Egiptólogo renomado, doutor em Estudos Egípcios pela Sorbonne, em 1995, lançou a Série Ramsés em cinco volumes, que o consagrou definitivamente na carreira literária. Esta série já vendeu mais de 12 milhões de exemplares em 29 países de todo o mundo. No Brasil, destacamos A Rainha Sol (Bertrand Brasil), que conta o período em que na cidade do Sol chega ao fim junto com o reinado de Akhenaton e Nefertiti. O Egito, berço das civilizações, surge repentinamente à beira do drama e do desmembramento. Guerra civil, lutas pela sucessão ao trono, e Akhesa, a terceira filha do casal real sonha com o poder como uma verdadeira herdeira de Nefertiti.
Outro interessante lançamento é Sócrates e Xantipa de Gerald Messadié, autor da série Moisés. Desta vez ele escolheu a Atenas dos séculos V e IV a.C., como lugar da ação de Sócrates e Xantipa: Um Crime em Atenas (Bertrand Brasil) onde Xantipa, a esposa de Sócrates, conhecida por sua personalidade forte e por ter sido uma das megeras da História, encarna o papel do detetive à procura do assassino. O escritor retrata a era de ouro da democracia e das artes atenienses, marcada, porém, por escândalos e espionagem.
Mika Waltari é um finlandês que se notabilizou por seus romances históricos. O Egipcio é, sem dúvida, seu maior sucesso, e conta a história do reinado do faraó Akhenaton se desenvolvendo no período de 1390 - 1335 AC. Porém, seu romance melhor construído é O Segredo do Reino que narra com acuidade histórica o período do nascimento e morte de Jesus Cristo.
Outra leitura interessante é Shogun, de James Clavell. Nascido em Sidney em 1924, Austrália Clavell se notabilizou por seus romances que envolvem a história do oriente, em especial o Japão. Em Shogun temos um retrato do Japão feudal e o processo da construção do estado-nação com as diferenças comportamentais no século XVII entre japoneses e europeus.
Complementando nossas indicações sobre os romances históricos precisamos não esquecer de escritores dedicados como Nagib Mahfuz, que nasceu no Cairo em 1911. Formado em Filosofia, trabalhou como funcionário público até se aposentar, aos 60 anos. Laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1988, foi jurado de morte por extremistas islâmicos, no ano seguinte. Em 1994 sofreu um atentado no Cairo, onde vive. Suas obras Noites de mil e uma noites; Entre dois palácios, A Batalha de Tebas e O jardim do passado foram publicadas no Brasil. A intenção de Mahfuz era cobrir toda a história egípcia, desde os tempos faraônicos até a invasão inglesa, no século XIX. Entretanto, no decorrer da terceira novela - Kifah Tibah, de 1944 - Mahfuz voltou o foco de seu interesse para o presente e se dedicou a escrever romances com temas sociais, ao mesmo tempo em que redigia vários roteiros para a indústria cinematográfica de seu país.
Como nem sempre tudo é tão obviamente histórico. Crônica de indomáveis delírios (Rocco) do historiador e romancista Joel Rufino nos conta que “durante a Revolução Pernambucana de 1817, a facção “francesa” acalentou um sonho: trazer Napoleão – a Águia -, então prisioneiro dos ingleses, para comandar seu exército. Esse movimento era um típico caso de ‘idéias fora de lugar’”. Pois bem, Napoleão veio e radicaliza as contradições. “Para ele só a Abolição e a incorporação dos quilombos tornariam invencível a empreitada democrática...” E por fim, como um dos personagens do livro diria – “Sabe Roldão, em que consiste a Suprema Alegria? Estar vivo para ler Diderot”.
Por
Eduardo Cruz
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