“Como
Cristo foi compreendido pelos cristãos originais, que eram todos
judeus? A palavra-chave é encontrada em Paulo, que escreveu aos Gálatas
dizendo que Cristo redimira o homem da maldição da Lei. As Escrituras
podem ser entendidas como um sistema
de leis através das quais as experiências da vida de uma pessoa são
filtradas. Deve-se redimir disso através da doutrina do amor. Das
palavras de Cristo, aprendemos que devemos amar ao próximo. (...)”
Joseph Campbell in
Tu és Isso
JESUS CRISTO, MARIA E MADALENA.
Mais que uma única história
Introdução
Em
todo momento polêmico surgem histórias exemplares. Talvez nos venham a
sobrar indignações por tratar de tal tema, mas o certo é que sem querer
discutir o Jesus histórico, ou
ainda tentar validar esta ou aquela teoria sobre mistérios que são na
verdade dogmas de fé, e por assim o serem não cabem como objeto de
discussão, perpetramos esse texto com a intenção de mostrar que existe
mais de uma maneira de se contar uma história. Mesmo sendo esta
considerada a maior história de todos os tempos. Uma história que é a da
tradição judaica e da construção da civilização cristã, civilização
essa que já nos deu, por exemplo, as Cruzadas e a Santa Inquisição.
Uma
civilização que a princípio se edifica sob a influência da igreja
católica, igreja essa que também já surge polêmica. Não fosse assim
nas longas peregrinações São Paulo Apóstolo não teria encontrado (25
anos depois) em uma de suas viagens alguns seguidores de João Batista,
um moralista severo e inflexível sobre quem Jesus certa vez declarou –
“Em verdade vos digo: Entre os nascidos de mulher ninguém apareceu maior
que João Batista”.
Muito embora, no rigor da palavra não fosse cristão, o impacto de suas palavras e ritos
foram de fundamental importância na construção da tradição. O batismo, a
oração em comum e o jejum, são claramente herdadas da ritualística
criada por João. Porém mais que isso, o martírio como redenção e que
viria ser emblemático na unção dos santos também é
sua marca indelével. Sua resistência na prisão de Herodes e seu
sacrifício são os primeiros exemplos escritos com violência que a igreja
cristã iria utilizar. Por isso, toda e qualquer representação
sangrenta, mesmo que seja na tela grande ou no afresco medieval
não poderiam causar nenhum estupor. Ao correr desse texto daremos aqui e
ali algumas pistas de como essa história pode ser contada e recontada
sem perder o toque de mistério de “plot” onde “tudo pode ser verdade”.
RELENDO O EVANGELHO
Ao
longo dos anos, muitas críticas têm sido levantadas quanto à
confiabilidade histórica da Bíblia. Elas são usualmente, baseados na
falta de evidências de fontes externas, confirmando o registro bíblico. E
sendo a Bíblia um livro religioso, muitos eruditos tomam a posição de
que ela é parcial e não é confiável a menos que haja evidência externa
confirmando-a.
Surge aí a busca desse Jesus histórico e um sem número de texto apócrifos.
Os
Apócrifos, porque esses textos foram proscritos da Bíblia? Na verdade
Os Apócrifos são uma reunião de textos considerados heréticos pela
Igreja, e que foram banidos e, muitas vezes, queimados. Alguns só se salvaram graças às traduções que deles existiam. Foram muitas
as publicações e compilações. Podemos citar, por exemplo, o Livro dos
segredos de Enoch, Livro de Isaías, Proto-Evangelho de Tiago, Evangelho
Pseudo-Tomé, Evangelho Árabe da
Infância, Livro da Infância do Salvador, Evangelho de Nicodemus, de
Bartolomeu, de Pedro e Evangelho segundo Tomé, o Dídimo. Até a pouco
tempo os historiadores trabalhavam com poucas referências sobre a mãe de
Jesus, o que mudou com a descoberta de um raríssimo manuscrito, escrito
por volta do ano 400, que contém um relato quase completo de uma viagem
feita por uma monja espanhola, Egeria, à
Terra Santa, e o Evangelho Apócrifo da Virgem Maria que Egeria diz ter
recebido de um monge grego companheiro de São Jerônimo. Reunidos nesse
livro, os documentos revelam uma espécie de diário de Maria, que inicia
falando sobre sua vida a partir dos 15 anos de idade, pouco antes de
conceber Jesus, o primeiro encontro com o anjo Gabriel, os acontecimentos que precederam seu nascimento, sua saída estratégica da cidade, as visitas do anjo Gabriel aos pais de Maria, Joaquim e Ana, e a José, seu noivo. Mas, isso veremos mais à frente.
Apócrifos
– Os proscritos da Bíblia, por exemplo, foram compilados por Maria
Helena de Oliveira Tricca e Júlia Bárány para a Editora Mercuryo. Maria
Helena nasceu em São Paulo, em julho
de 1940 , faleceu em julho de 1997. De formação humanística, era
pesquisadora nas áreas de mitologia, religiões antigas e filosofia. Como
autora e compiladora dos livros Apócrifos – Os proscritos da Bíblia,
assumiu a missão de expor ao público brasileiro esses textos polêmicos e
ao mesmo tempo enriquecedores, que ampliam o conhecimento sobre a
tradição judaico-cristã. Considerados profanos por serem não-canônicos,
hoje são
objeto de estudo por teólogos e estudiosos de Religião, uma referência
obrigatória para quem necessita entender melhor a História de Cristo, o
Cristianismo, o Judaísmo, o nascimento do Catolicismo e os lapsos de
tempo nos textos bíblicos. Já
Júlia Barani é Pesquisadora de Religião, filha de pai húngaro e mãe
russa. Nasceu em São Paulo, em 24 de novembro de 1949. Viveu durante
muitos anos nos Estados Unidos, estudando Filosofia e Letras na Cleveland State University, de Ohio. Lecionou inglês na Escola Rudolf Steiner e na Escola Graduada de São Paulo. Esteve
vinculada a USP, PUC/RJ e FAAP nos cursos de Letras, Filosofia,
graduando-se em Artes Plásticas. É responsável pela tradução de algumas
obras como A Odisséia dos Essênios, de Hugh Schonfield, O Manuscritos do
Mar Morto, do estudioso Geza Vermes e Apócrifos – Os proscritos da
Bíblia, com textos traduzidos do aramaico e do grego. Mostramos assim
que as pessoas imbuídas de divulgar essas pesquisas históricas estão longe de serem fanáticos revisionistas religiosos.
O mesmo se dá com o livro, Um judeu Marginal – Repensando
o Jesus Histórico, de John P. Méier. Com critérios científicos, o livro
encara realísticamente, a pessoa de Jesus, desmistificando conceitos
tradicionais e errôneos sobre ele. Por meio de critérios cuidadosos, o
autor chega o mais próximo possível do Jesus que os documentos
históricos e bíblicos revelam, face à situação social, cultural e
religiosa de sua época.
Por certo que existiram muitos textos cristãos e judaicos na época em que a Bíblia foi composta como a conhecemos hoje. Todos os seus textos
chamados canônicos – os livros do Velho Testamento e os quatro
Evangelhos do Novo Testamento, os sinópticos, foram escolhidos pela
Igreja em seus primórdios para manter a coesão doutrinária e afastar as
heresias. Os escritos banidos e, na sua grande maioria, queimados,
preservaram-se em traduções gregas, eslavas e árabes, e alguns originais
em hebraico e aramaico, existem há
mais de 2.000 anos e tem sido fonte indispensável para grandes obras
literárias ou cinematográficas, por trazerem informações polêmicas com
relação aos textos oficiais,
mostrando facetas inéditas das idéias cristãs e judaicas e até
divergências diretas com a doutrina vigente. Fazem parte destes textos
não-canônicos os famosos manuscritos do Mar Morto dos essênios, seita
judaica conservadora, precursora do cristianismo. Há dois evangelhos
sobre o nascimento e a infância do rabi, e uma bela história de amor e
integridade com personagens do Velho Testamento, José e Asenath.
Embora
não seja possível verificar cada evento descrito na Bíblia, as
descobertas arqueológicas feitas desde a metade do século XVIII têm
demonstrado a confiabilidade e plausibilidade de muitas narrativas
bíblicas. Segundo Bryant Wood da Associates for Biblical Research “A descoberta do arquivo de Ebla no norte da Síria nos anos 70 tem mostrado que os escritos bíblicos concernentes aos Patriarcas são de todo viáveis. Documentos
escritos em tabletes de argila de cerca de 2300 a.C. mostram que os
nomes pessoais e de lugares mencionados nos registros históricos sobre
os Patriarcas são genuínos. O nome "Canaã" estava em uso em Ebla - um
nome que críticos já afirmaram não ser utilizado naquela época e,
portanto, incorretamente empregado nos primeiros capítulos da Bíblia. A
palavra "tehom" ("o abismo") usada em Gênesis 1:2 era considerada como uma palavra recente, demonstrando
que a história da criação foram escrita bem mais tarde do que o
afirmado tradicionalmente. "Tehom", entretanto, era parte do vocabulário
usado em Ebla, cerca de 800 anos antes de Moisés. Costumes antigos,
refletidos nas histórias dos Patriarcas, também foram descritos em
tabletes de argila encontrados em Nuzi e Mari.”
Outra
questão interessante são as divergências das datas dos Evangelhos e
nisso, por exemplo, alteram o caráter de eventos como o da última ceia..
Em Marcos, assim como em Mateus e Lucas, essa refeição ou banquete
modesto teria sido realizado em determinada
noite no interior da cidade de Jerusalém, isto é, por dentro dos muros.
Já se levarmos em conta os relatos de João, Jesus e os discípulos ceiam
frugalmente no aguardo da festa do Pessach. O plano seria de prender
Jesus e executa-lo durante a festa causando maior efeito moral entre o povo. Esse é um dos muitos textos em discussão.
Outro
aspecto desse resgate da verdade vem da tentativa de identificar se o
julgamento de Jesus foi “justo” ou, melhor dizendo, dentro das regras
vigentes do direito romano. Não foram poucos os estudiosos da história
do direito e das leis que mergulharam nesse tema. Para
um cristão é justificável sua revolta com o processo que culminou na
condenação e crucificação. Mas o que de fato ocorreu? Podemos resumir
que se cometeu um deícidio? À luz
das novas leis e da ética seu julgamento foi realizado em condições não
humanitárias em flagrante violação dos direitos humanos. Mas e à luz
das regras vigentes na época? A maioria dos pesquisadores consideram que
Pôncio Pilatos conduziu o processo
com correção e, mais que isso, se Jesus Cristo tivesse respondido “não”
quando argüido se era ele o Rei dos Judeus, teria com certeza sido
libertado.
MARIA, A MÃE DE DEUS?
Maria é realmente a Mãe de Deus? Se ela não o fosse, Jesus
não seria Deus, mas sim um invólucro humano para Deus? Essa é uma
discussão que embala muitos teólogos. Discutem que “Nossa Senhora foi
preparada por Deus antes mesmo de sua concepção, exatamente para
que o Verbo se fizesse Carne (não "assumisse uma" carne) em seu seio.
Ela foi preservada da mancha do Pecado Original, ou seja, não sentiu
sequer o desejo de pecar, e foi assim a nova Eva.” Em resumo - com Eva o
pecado chegou ao mundo; e foi com Maria que a Salvação veio.
É importante notar que a Bíblia nunca menciona Maria como a Mãe
de Deus, mas sempre como “Mãe de Jesus” (Meter ton Iesous). E nessa
confusão alguns afirmam que “esse entendimento católico se dá devido à
interpretação incorreta do título Theotókos (mãe de Deus) dado a Maria.
No Evangelho de João 2.1-2, diz: mãe de Jesus, que na língua grega como
já vimos é Meter ton Iesous. O título Mãe de Deus do grego Theotókos,
foi dado a Maria no Concílio de Éfeso, em 431 a.C. Por essas questões a
figura de Maria, Mãe de deus só se sustenta dentro da Igreja Católica.”
O Evangelho Secreto da Virgem Maria,
de Santiago Martin (Editora Mercuryo) é um livro escrito por esse
sacerdote católico, que nasceu em Madri em 1954. Licenciado em Biologia,
Teologia e Jornalismo, é chefe da Seção de Religião do Jornal ABC e
diretor do programa Testimonio da TVE (TV Espanhola). Autor de uma
dezena de livros de espiritualidade, é também fundador de uma associação
católica, os Franciscanos de Maria, dedicada ao trabalho voluntário e gratuito com todo tipo de marginalizados e que já está presente em seis países.
Mas
o que descobrimos é que esse livro não é na verdade autoral e sim um
manuscrito, até agora desconhecido, que revela aspectos inéditos da vida de Cristo e reúne as experiências mais íntimas de sua mãe, Maria. Os
historiadores trabalhavam com poucas referências sobre a mãe de Jesus, e
a história só começa a mudar com a publicação de textos escritos por
volta do ano 400, que narram uma espécie de diário de Maria.
Um
especialista em manuscritos antigos, J. F. Gamurrini surpreendeu o
mundo em 1884, ao descobrir uma valiosíssima peça de arqueologia, na
Abadia de Arezzo. Tratava-se de um manuscrito que continha um relato
quase completo de uma viagem feita por uma monja espanhola, Egeria, à
Terra Santa, intitulado Itinerarium. Numa biblioteca de Obona
preservou-se outra cópia deste manuscrito, mais completa que a primeira,
que acabou sendo redescoberta recentemente por dom Ignácio, sacerdote da arquidiocese
de Oviedo, amigo do autor do presente livro. Ao mandar traduzir o texto
original do latim, ficaram surpreendidos com o texto acrescentado ao
relato de viagem pela monja espanhola: Evangelho Apócrifo da Virgem
Maria, constante nessa cópia e ausente na primeira, talvez por motivo de
censura religiosa. Egeria diz ter recebido o texto de um monge grego, companheiro de São Jerônimo – que vivia em Belém, na época em que a monja residia na cidade natal
de Jesus, entre os anos de 387 e 420. No livro O Evangelho Secreto da
Virgem Maria, a mãe do Messias inicia falando sobre sua vida a partir
dos 15 anos de idade, pouco antes de conceber Jesus, o primeiro encontro
com o anjo Gabriel, relatando detalhadamente os acontecimentos que
precederam seu nascimento, sua saída estratégica da cidade, as visitas
do anjo Gabriel aos pais de Maria, Joaquim e Ana, e José, seu noivo. O
livro traz suas memórias, narradas a João Evangelista em muitas daquelas
tardes em que ambos descansavam de suas respectivas tarefas, nas
cercanias da cidade grega de Éfeso, quando uma velha mãe fala de si
mesma, de seu filho, e da aventura que Deus, em um dia de primavera, havia posto em andamento.
Não
podemos deixar de nos surpreender quando lemos trechos desse evangelho.
Trechos como este: “ ...Sentia fortemente que, naquela noite, o Senhor
esperava algo de mim. Disse-lhe que, por mim, as coisas se fariam de
acordo com a Sua vontade e não segundo meus cálculos ou previsões.
Portanto, se Ele, Yaveh, resolvera que as coisas iriam se desenvolver
a seu modo, eu aceitava e, como em ocasiões anteriores, ofereci-me para
ajudar no que fosse possível, sabedora, de antemão, que tudo o que eu
fizesse seria pouco, jovem como era e a ponto de casar-me brevemente.
Foi quando tudo ocorreu. Não havia pronunciado meu último sim, quando
meu pequeno quarto se encheu de luz. Estava ajoelhada, com minha roupa modesta presa acima dos joelhos para não gastá-la, quando ele apareceu. “
Ou
ainda - “Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus.
Irás conceber em teu ventre e darás à luz um filho, a quem darás o nome
de Jesus. Ele será grande e será chamado ‘Filho do Altíssimo’. O Senhor
lhe dará o trono de Davi, seu pai. Reinará sobre a casa de Jacó pelos
séculos e seu reino não terá fim”
E finalmente – “ ...pede ao Senhor que lhe conceda a graça de aliviar a dor
do filho, sentindo tudo o que ele sente, o que lhe é concedido. A
morte: Vi quando começaram a levantá-lo…Eu sabia que nada de
extraordinário iria ocorrer, porque o extraordinário já estava
ocorrendo: Deus assassinado pelas criaturas de Deus, com a permissão de
Deus, para salvar as criaturas assassinas. Era esse o milagre…Seu olhar
me localizou em seguida, e ambos nos apoiamos mutuamente…E ele, com uma
súplica muda, com suas mãos cravadas, buscava em um abraço impossível o
socorro que somente uma mãe pode dar… “Mulher, eis aí teu filho”, “Eis
aí a tua mãe”. Viera para fazer-vos seus irmãos. Havia conseguido que
chamásseis de “Pai” a seu Pai. Mas para que a irmandade fosse completa,
era necessário que compartilhásseis também a mãe…Meu filho acabava de
morrer e eu sem dúvida estava triste, mas não conseguia sentir
desespero, não podia. Foi assim como o tive novamente em meus braços.
Estava morto. Seu coração já não batia mais. Já não brilhavam seus
olhos, que continuavam terrivelmente abertos. A espantosa coroa havia
caído e se viam as feridas abertas em sua cabeça…”
Como
estamos podendo ver, além de humanizar a morte de Jesus, a visão de
Maria é de uma mãe. Dentro dessa nossa tentativa de ver a história em
seus vários ângulos precisamos lembrar que as mulheres passam a ser
presença importante nos vários episódios na vida de Jesus. Elas são as
primeiras que se convertem às suas mensagens e passam a desempenhar
papel ativo em toda essa construção de fé. Esse movimento
judaico-cristão conta com a efetiva participação das mulheres,
intervindo na vida pública.
MADALENA, A APÓSTALA?
Quem
foi Maria, da localidade de Magdala, que a história bíblica registra
apenas como Maria Ma(g)dalena? Uma das santas mulheres que se mantiveram
ao pé da cruz durante a crucificação, a pecadora que os próprios
discípulos de Jesus hostilizavam, uma mulher determinada e inteligente,
acima e além de seu tempo, disposta
a ousar tudo para salvar o homem que ama - ou uma personalidade
multifacetada englobando todos esses aspectos? Que papel teve na vida de
Jesus para que fosse a primeira pessoa com quem ele se encontrou ao
sair do túmulo? Essas são algumas das perguntas contidas no romance histórico O Enigma Maria Magdalena de Gerald Messadié (Bertrand Brasil).
Maria
Madalena é outro dos personagens controversos nessa nossa história e é,
com certeza, uma das personagens mais enigmáticas do Novo Testamento.
Podemos verificar que se por um lado existem poucas citações diretas
sobre ela nos quatro evangelhos, por outro lado está nominalmente
presente nas passagens mais marcantes da vida do Cristo, como a Paixão e
a Ressurreição. Ela é a discípula que ama o mestre acima de tudo e é
testemunha da Sua Ressurreição, sendo a portadora da Boa Nova. Por esse
motivo ela pode ser considerada a primeira apóstola.
Por
tudo isso ela é ao lado da Virgem Maria uma das mais importantes
figuras femininas dos evangelhos, mas que acabou tendo corrompida a sua
real importância dentro da tradição cristã católica romana. Sua imagem
foi sendo, através
dos séculos, corrompida como o de uma mulher pecadora, provavelmente
uma prostituta, que foi purificada pelo Cristo. Mas é dela que como
prova de seu amor espiritual, lavou os pés do Senhor e os enxugou
com os próprios cabelos. Ela representava o arquétipo feminino
tradicional, da transmissora do pecado original, que após ser curada,
passou sua vida em penitência e arrependimento. Mas outros registros nos
mostram uma mulher de rara cultura, independente, dona do ofício de
criar pombos. Imagem esta que dentro de uma tradição judaico-cristã era
incompatível com a subserviência.
Por
outro lado Jesus, que em mais de uma ocasião quebrou regras da tradição
judaica, como quando expulsou os vendilhões do templo, incorreu em mais
uma que foi o de dar um papel importante às mulheres. Jesus conversava
diretamente com elas, expondo preceitos religiosos, tal como fez com
Maria de Bethânia, irmã de Marta e com a Samaritana. Alguns
pesquisadores sequer conseguiram disfarçar esses preconceitos e escreviam que ele “se deixava tocar por mulheres consideradas impuras pelos judeus tradicionais”
Paulo
em suas epístolas cita algumas mulheres que tinham tarefas de
evangelização dentro da comunidade, tais como Febe, diaconisa da Igreja
da Cencréia, Maria, "que muito fez pela comunidade romana"; e Júnia
chamada de "apóstola" (Romanos,
cap16 v 1-8). Maria Madalena não é citada, dentro dos evangelhos
canônicos como um dos apóstolos, mas podemos dizer, por dedução, que era
uma discípula escolhida e portadora de verdades fundamentais para a construção do cristianismo.
A
título de informação complementar, o segundo nome de Maria Madalena,
(Madalena ou Magdalini) em grego, significa que ela era natural de
Magdala, ou Mejdel. “Escavações efetuadas na cidade e escritos de
Flavius Josefus e outros, a descrevem como uma rica cidade comercial,
baseada na pesca, e com muito contato com o mundo helênico, localizada
no lado noroeste do lago da Galiléia “
Maria é sempre citada nas escrituras com o segundo nome anexado para diferencia-la das demais Marias - Maria mãe de Jesus; Maria, mãe de Tiago e Maria de Bethânia, irmã de Lázaro.
NO CELULÓIDE
A
lembrança de muitos de nós de mais de quarenta anos é o sentimento de
opressão quando se avizinhava a Semana Santa. Em parte porque os mais
velhos ficavam mais sisudos.
Sabíamos que era chegado os tempos de músicas tristes e que no cinema do
bairro o programa duplo seria substituído por um único filme em sessão
contínua. Teríamos “A Paixão de Cristo”. Não importa qual o título
original do filme, nem a qualidade da cópia, o cartaz era sempre o
mesmo, de preferência montado em um já desbotado e empoeirado pano roxo.
Os primeiros filmes sobre Jesus, curiosamente nunca mostravam o rosto
do ator que representava o principal personagem. Ele era sempre visto de
costas, afinal “quem seria digno de vivenciar personagem tão divino?”
Com
o tempo isso foi mudando, e em “Rei dos Reis” já tínhamos um Jesus belo
e em technicolor. E mais que isso um Jesus como personagem pop. O filme
viraria um disputado álbum de figurinhas. Está certo que tivemos ainda
“O Manto Sagrado” e um sem número de “jesuses” canastrões e centuriões
”falastrões”. Tivemos até Toni Curtis, mas isso é outra história. Aos
poucos além da “Paixão de Cristo” , fomos ousando um pouco mais da conta
e tome “Marcelino, Pão e Vinho” e a cena assustadora do Cristo na cruz
que falava com o pequeno herói. Eram tempos de Pelmex, Joselitos e
Marissóis.
Por certo foi Franco Zefirelli que pode aliviar nossa angústia e colocar na programação “Irmão Sol, Irmã Lua”. Pasmem, o filme tinha até cena de nudez. Não satisfeito nos deu o belo britânico Robert Powell como Jesus em um épico em que Maria sentia as dores do parto.
Jesus
of Nazareth (1977) é um belo filme, mais precisamente uma mini-série,
que depois foi redimensionado para a telona. Com Robert Powell, Olivia
Hussey, Stacy Keach, e com direção de Franco Zefirelli foi feito
originalmente para a TV em 1977, esta versão de Jesus, com mais de 6
horas de duração, é tão abrangente que dedica a primeira hora somente à
história de seu nascimento. É a mais completa obra sobre Jesus, e relata
o nascimento de João Batista, o casamento de Maria e José, o nascimento
e batismo de Jesus, seus muitos milagres (apesar de não mostrá-Lo
andando sobre as águas e a transformação da água em vinho no casamento
em Canaã).
Entre
os inúmeros filmes já realizados anteriormente sobre Cristo alguns
geraram muita polêmica, como O Evangelho Segundo São Mateus, de Pier
Paolo Pasollini (que apresentava um Jesus revoltado e envolvido com os
problemas políticos de seu tempo) e
A Última Tentação de Cristo, que fez com que milhares de católicos se
sentissem ultrajados com o Jesus humano apresentado por Martin Scorsese,
e pelo autor do livro que deu origem ao roteiro, Nikos Kazantzakis.
Nikos
Kazantzakis nasceu em Heraklion, Creta (Grécia). Estudou direito em
Athenas e em Paris, e depois estudou filosofia e literatura.
Interessou-se ainda por línguas e foi um estudioso da obra de Nitsche.
Publicou filosofia - "Ascetics" (Salvatores Dei, 1927), e poesia - "The
Odyssey" (1938) "Tertsines", "Protomastoras", "Melissa" , "Julian",
"Prometheus" etc. Seus romances são "Alexis Zorbas" (1946) "O Xristos
xanastavronetai" (O Cristo Recrucificado) (1948) "O ftoxoulis tou Theou"
(O pobre homem de Deus) (1952-3) "Anafora ston Greco (Referente ao
Greco) (1961) . Morreu em 1957 sem ver sua polêmica nas telas.
Tivemos
ainda outra polemica de peso, em especial no Brasil. Foi o Filme de
Godard – Je Vous Salue Marie. Realizado em 1985 por Jean-Luc Godard com
um elenco competente (Myriem Roussel (Mary), Thierry Rode (Joseph),
Philippe Lacoste (Gabriel), Juliette Binoche (Juliette), Anne Gautier
(Eva)) contava a história de Marie ou Mary uma estudante que jogava
basquete e trabalhava com seu pai em um posto de gasolina. Certo dia
descobre que está grávida mesmo nunca tendo se deitado com um homem. Seu
namorado é Joseph, um motorista de táxi que não acredita que ela possa
estar grávida e ainda ser virgem. Essa trama com tantas referências
bíblicas deu a Jean-Luc Godard o brilho da genialidade e da instantânea
fúria de um sem número de crentes e cristãos. A igreja católica repudiou
veementemente o filme e no Brasil, respaldada pela censura proibiu o
filme que era exibido em um misto de ato pela desobediência civil e
circo burlesco. Na verdade o filme que nada tinha de sensual e era
arrastado no seu contar a história poderia ter passado em brancas nuvens
não fosse a sanha sempre insensata do fanatismo religioso. Um blasfemo
que sequer cult virou.
Mas nem sempre os polêmicos aceitam as ousadias de outrem e é assim com o roteirista
de Hollywood responsável pelo texto do último filme polêmico sobre
Jesus antes de A Paixão de Cristo, Paul Schrader, diz que o novo
longa-metragem de Mel Gibson sobre a crucificação é violento e
perturbador. "É um filme bem feito, mas muito violento e repleto de um
senso profundo de auto-flagelação", disse Paul Schrader, que assinou o
roteiro de A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese lançado em
1988, e que foi criticado por organizações cristãs devido a uma cena
breve em que Jesus é visto tendo relações sexuais com Maria Madalena.
"São dois filmes totalmente diferentes", disse ele, depois de dar uma palestra em Londres sobre sua elogiada carreira. "Meu
filme foi essencialmente uma história humanista sobre a luta para
encontrar Deus, na qual Cristo é usado como metáfora", disse Schrader,
que nasceu numa família rigidamente calvinista e estudou teologia. No
roteiro, Jesus (Willem Dafoe) é um carpinteiro que vive um grande
dilema, pois é quem faz as cruzes com as quais os romanos crucificam
seus oponentes. Resumindo, Jesus se sente como um judeu que mata judeus.
Vivendo um terrível conflito interior ele decide ir para o deserto, mas
antes pede perdão a Maria Madalena (Barbara Hershey), que se irrita com
Jesus, pois não se comporta como uma prostituta e sim como uma mulher
que quer sentir um homem ao seu lado. Ao retornar, Jesus volta
convencido de que é o filho de Deus e logo salva Maria Madalena de ser
apedrejada e morta. Então reúne 12 discípulos à sua volta e prega o
amor, mas seus ensinamentos são encarados como algo ameaçador, então é
preso e condenado a morrer na cruz. Já crucificado, é tentado a imaginar
como teria sido sua vida se fosse uma pessoa comum.
O
certo é que o filme de Mel Gibson suscitou debates. O Presidente da
CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), D. Geraldo Majella
Agnello afirmou que o filme “não é anti-semita nem justifica a revolta
de judeus, embora seja terrivelmente cruel e chocante”. O rabino Henry
Sobel, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista, disse
que “o filme é nitidamente anti-semita. Minha preocupação é que
anti-semitas possam tentar usá-lo para recriar a ficção que justifique o
preconceito contra judeus”. - Geza Vermes, professor de Oxford e um dos
maiores especialistas na vida do Cristo, é contra o filme afirmando,
entre outros argumentos, que ele conta simplesmente as últimas 12 horas
da vida de Jesus, quando seria fundamental para o entendimento do
personagem a narração da vida inteira.
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